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domingo, outubro 31

Escolhas de uma vida

"Pedro Bial"

A certa altura do filme Crimes e Pecados, o personagem interpretado por Woody Allen diz: "Nós somos a soma das nossas decisões".
Essa frase acomodou-se na minha massa cinzenta e de lá nunca mais saiu. Compartilho do ceticismo de Allen: a gente é o que a gente escolhe ser, o destino pouco tem a ver com isso.
Desde pequenos aprendemos que, ao fazer uma opção,estamos descartando outra, e de opção em opção vamos tecendo essa teia que se convencionou chamar "minha vida".
Não é tarefa fácil. No momento em que se escolhe ser médico, se está abrindo mão de ser piloto de avião. Ao optar pela vida de atriz, será quase impossível conciliar com a arquitetura. No amor, a mesma coisa: namora-se um, outro, e mais outro, num excitante vaivém de romances. Até que chega um momento em que é preciso decidir entre passar o resto da vida sem compromisso formal com alguém, apenas vivenciando amores e deixando-os ir embora quando se findam, ou casar, e através do casamento fundar uma microempresa, com direito a casa própria, orçamento doméstico e responsabilidades.
As duas opções têm seus prós e contras: viver sem laços e viver com laços...
Escolha: beber até cair ou virar vegetariano e budista? Todas as alternativas são válidas, mas há um preço a pagar por elas.
Quem dera pudéssemos ser uma pessoa diferente a cada 6 meses, ser casados de segunda a sexta e solteiros nos finais de semana, ter filhos quando se está bem-disposto e não tê-los quando se está cansado. Por isso é tão importante o auto conhecimento. Por isso é necessário ler muito, ouvir os outros, estagiar em várias tribos, prestar atenção ao que acontece em volta e não cultivar preconceitos. Nossas escolhas não podem ser apenas intuitivas, elas têm que refletir o que a gente é. Lógico que se deve reavaliar decisões e trocar de caminho: Ninguém é o Pedro Boapara sempre.
Mas que essas mudanças de rota venham para acrescentar, e não para anular a vivência do caminho anteriormente percorrido. A estrada é longa e o tempo é curto.Não deixe de fazer nada que queira, mas tenha responsabilidade e maturidade para arcar com as conseqüências destas ações.


Lembre-se: suas escolhas têm 50% de chance de darem certo,
mas também 50% de chance de darem errado.
A escolha é sua...



segunda-feira, outubro 25

Quem foi que disse??


 

Quem foi que disse que quando chove o dia está feio?

Que pra vida ser linda, a gente tem que estar feliz?

Que pra se divertir, é preciso ter dinheiro?

Que a gente trabalha pra ficar rico?

Mas quem foi que te ensinou que, se não casar, você ficou pra titia?

Que se namorar muito, vai ficar com má fama?

E que se não tiver filhos, sua vida será vazia?

Quem foi que decretou que, pra te fazer feliz, sua cara-metade tem que corresponder às suas idealizações?

Que mudar de idéia é falta de opinião?

Que é chato ir ao cinema sozinho?

Onde é que está escrito que o casamento, pra dar certo, tem que durar a vida inteira?

E que seu ex-namorado não pode ser seu melhor amigo?

E que o seu filho tem que ser como você sonhou?

Qual é a lei que reza que a gente tem que ler aquele livro chato até o fim?

E que passar a noite de sexta em casa é perder tempo?

Ou que temos, por obrigação, que aceitar o que nos violenta? Ou sorrir para quem nos desrespeita?

Onde foi que você leu que é fácil fazer a vida valer a pena? E que, se não está feliz, tem que se conformar e fingir?

E que questionar o que aprendeu é perda de tempo ou de energia?

Quem decidiu que, pra ser bonita, a manhã tem que ter céu azul?

Da próxima vez que amanhecer nublado, olhe bem a paisagem do seu dia.

Pode ser o começo de uma revolução.

(Fernanda Dannermann)


sexta-feira, outubro 15

Grande definição!!

"Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche."

Martha Medeiros

segunda-feira, outubro 11

PRECISAMOS TER AMANTES...

Dr. Jorge Bucay

        Muitas pessoas têm um amante e outras gostariam de ter um. Há também as que não têm, e as que tinham e perderam. Geralmente são essas últimas as que vêm ao meu consultório para me contar que estão tristes ou que apresentam sintomas típicos de insônia, apatia, pessimismo, crises de choro ou as mais diversas dores.
        Elas me contam que suas vidas transcorrem monotonamente e sem perspectivas, que trabalham apenas para sobreviver e que não sabem como ocupar seu tempo livre. Enfim, são várias as maneiras que elas encontram de dizer que estão simplesmente perdendo a esperança.
        Antes de me contarem tudo isto, elas já haviam visitado outros consultórios, onde receberam as condolências de um diagnóstico firme: "Depressão", além da inevitável receita do anti-depressivo do momento. Assim, após escutá-las atentamente, eu lhes digo que elas não precisam de nenhum anti-depressivo; digo-lhes que elas precisam de um AMANTE!
        É impressionante ver a expressão dos olhos delas ao receberem meu veredicto, Há as que pensam: "Como é possível que um profissional se atreva a sugerir uma coisa dessas?!" Há também as que, chocadas e escandalizadas, se despedem e não voltam nunca mais.
        Àquelas, porém, que decidem ficar e não fogem horrorizadas com o meu conselho, eu explico o seguinte: AMANTE é "aquilo que nos apaixona". É o que toma conta do nosso pensamento antes de pegarmos no sono e é também aquilo que, às vezes, nos impede de dormir.
        O nosso AMANTE é aquilo que nos mantém distraídos em relação ao que acontece à nossa volta. É o que nos mostra o sentido e a motivação da vida. Às vezes encontramos o nosso amante em nosso parceiro, outras, em alguém que não é nosso parceiro mas que nos desperta as maiores paixões e sensações indescritíveis.
        Também podemos encontrá-lo na pesquisa científica ou na literatura, na música, na política, no esporte, no trabalho quando é vocacional, na necessidade de transcender espiritualmente, na boa mesa, no estudo ou no prazer obsessivo do passatempo predileto... Enfim, é "alguém" ou "algo" que nos faz "namorar" a vida e nos afasta do triste destino de "durar".
        E o que é "durar"? Durar é ter medo de viver. É o vigiar a forma como os outros vivem, é o se deixar dominar pela pressão, perambular por consultórios médicos, tomar remédios multicoloridos, afastar-se do que é gratificante, observar decepcionado cada ruga nova que o espelho mostra, é a preocupação com o calor ou com o frio, com a umidade, com o sol ou com a chuva.
        Durar é adiar a possibilidade de desfrutar o hoje, fingindo contentar-se com a incerta e frágil sugestão de que talvez possamos fazer amanhã. Por favor, não se empenhe em "durar", procure um amante, seja também um amante e um protagonista ... da vida. Pense que o trágico não é morrer; afinal a morte tem boa memória e nunca se esqueceu de ninguém.
        O trágico é não se animar a viver; enquanto isso, e sem mais delongas, procure um amante...

"Para estar satisfeito, ativo e sentir-se feliz, é preciso namorar a vida."


sábado, outubro 2

Drummond


      Tem gente que tem cheiro de passarinho quando canta.
      De sol quando acorda.
      De flor quando ri.
      Ao lado delas, a gente se sente no balanço de uma rede que dança gostoso
numa tarde grande, sem relógio e sem agenda.
      Ao lado delas, a gente se sente comendo pipoca na praça,
lambuzando o queixo de sorvete,
melando os dedos com algodão doce da cor mais doce que tem pra escolher.
      O tempo é outro.
      E a vida fica com a cara que ela tem de verdade, mas que a gente desaprende
de ver.
      Tem gente que tem cheiro de colo de Deus.
      De banho de mar quando a água é quente e o céu é azul.
      Ao lado delas, a gente sabe que os anjos existem e que alguns são
invisíveis.
      Ao lado delas, a gente se sente chegando em casa e trocando o
salto pelo chinelo, sonhando a maior tolice do mundo com o gozo de quem não
liga pra isso.
     Ao lado delas, pode ser abril, mas parece manhã de Natal do tempo em que a
gente acordava e encontrava o presente doPapai Noel.
     Tem gente que tem cheiro das estrelas que Deus acendeu no céu e daquelas
que conseguimos acender na Terra.
     Ao lado delas, a gente não acha que o amor é possível, a gente tem certeza.
     Ao lado delas, a gente se sente visitando um lugar feito de alegria,
recebendo um buquê de carinhos, abraçando um filhote de urso panda, tocando com os
olhos os olhos da paz.
     Ao lado delas, saboreamos a delícia do toque suave que sua presença sopra no
nosso coração.
     Tem gente que tem cheiro de cafuné sem pressa, do brinquedo que a gente
não largava,do acalanto que o silêncio canta, de passeio no jardim.
     Ao lado delas, a gente percebe que a sensualidade é um perfume que vem de
dentro e que a atração que realmente nos move não passa só pelo corpo. Corre
em outras veias. Pulsa em outro lugar.
     Ao lado delas, a gente lembra que no instante em que rimos Deus está
conosco, juntinho ao nosso lado.
     E a gente ri grande, que nem menino/a arteiro/a.

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Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, outubro 1

A Gente se acostua, mas não devia

Marina Colasanti
     Eu sei que a gente se acostuma. Mas não deveria ...
    A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem outra vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha pra fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
    A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora. A tomar café correndo porque está atrasado. A ler o Jornal no ônibus porque não pode perder o tempo de viagem. A comer sanduíches porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
    A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E não aceitando as negociações de paz aceita ler todo dia, de guerra, dos números, da longa duração.
    A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
    A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios, a ligar a televisão e assistir comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
    A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita. E a lutar por ganhar o dinheiro com que paga. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
    A gente se acostuma à poluição. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável, à contaminação da água do mar, à lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinhos, a não ter galos na madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta do pé, a não ter sequer uma planta.
    A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só o pé e sua o resto do corpo.. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
    A gente se acostuma para não ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que de tanto acostumar, se perde de si mesma.
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